O Conselho Nacional dos Dirigentes das Escolas de Educação Básica das Instituições Federais de Ensino Superior (CONDICAP) vem, por meio deste documento, manifestar-se em relação ao momento excepcional em que as instituições educacionais brasileiras têm vivenciado diante da suspensão das atividades presenciais ocasionadas pela pandemia da COVID-19.
Cabe destacar que os Colégios de Aplicação vinculados a IFES cumprem função acadêmica no desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão, se consolidando ao longo de suas histórias como referência na educação pública de qualidade, inovação pedagógica, formação docente, bem como produção e socialização do conhecimento.
De maneira geral, todos os estabelecimentos de ensino tiveram suas atividades presenciais suspensas a partir da segunda quinzena de março, quando foi decretado estado de emergência no Brasil em função do agravamento da pandemia da COVID-19, impondo medidas de distanciamento social como forma de promover a preservação da vida, da saúde e da segurança, não só dos estudantes, mas também de seus familiares e dos profissionais da Educação.
Em 13 de abril de 2020, o CONDICAP se manifestou por meio de uma nota, reafirmando seu compromisso com o ensino público, democrático, laico e de qualidade. E com base nesses princípios não seria possível assumir a Educação a Distância como modalidade de ensino para a Educação Básica em geral e especialmente nos contextos dos Colégios de Aplicação. A nota finaliza reforçando que o “nosso foco deve estar na atenção e nos cuidados com a saúde da sociedade diante da Pandemia da COVID-19 que vem assolando o mundo”.
Estamos iniciando o mês de julho, e pelo andamento da pandemia ainda não há como prever quando será possível retomar o ensino presencial de forma segura. Nesse contexto, as instituições e sistemas educacionais vem se organizando de diferentes formas para estabelecer relações educativas com seus estudantes. Nesse sentido, seguimos reafirmando que a Educação a Distância não é uma modalidade aplicável à Educação Básica, por ter legislação específica, métodos e conhecimentos próprios da área. Diante dessa extensão do período de isolamento social, que já passa de 100 dias, e com a indefinição da possibilidade de retorno presencial, consideramos adotar o ensino remoto emergencial pelos Colégios de Aplicação. Essa posição pauta-se, sobretudo, no princípio fundamental de defesa à vida, por considerar que a retomada precoce das atividades presenciais implica em risco à saúde e segurança de toda a comunidade escolar e para além dela.
Consideramos também que as medidas tomadas pelo Governo Federal, impossibilitam uma outra tomada de decisão que não seja desenvolver ações educativas de forma remota, uma vez que os dispositivos legais, especial a MP 934 de 01 de abril de 2020 que segue em tramitação no Congresso Nacional, não têm tomado a vida e a qualidade do ensino como foco, mas seguem indicando a obrigatoriedade do cumprimento de 800 horas letivas no Ensino Fundamental e Médio. Além disso o parecer emitido pelo Conselho de Nacional de Educação em 28 de abril de 2020, homologado parcialmente pelo Ministério da Educação em 01 de junho de 2020, indica a realização de atividades pedagógicas não presenciais como forma de garantir o cumprimento do calendário letivo.
Nesse sentido, cabe apresentar alguns princípios comuns a serem assumidos pelos Colégios de Aplicação em consonância com as nossas defesas históricas pelo ensino público, democrático, laico e de qualidade.
O primeiro deles é o caráter de excepcionalidade do momento vivenciado. Estamos enfrentamos uma crise sem precedentes na história de nossos Colégios, o que demanda reflexões bem fundamentadas e decisões responsáveis. Em um contexto de normalidade, jamais abriríamos mão da relação presencial que constitui o processo pedagógico de ensino e aprendizagem de nossos colégios, mas neste momento admitir a possibilidade de experiências remotas de educação, mesmo sabendo de todas as suas limitações, é uma forma de manter os vínculos entre a escola e os estudantes, possibilitando a continuidade do isolamento social, como forma de preservação da vida.
O segundo princípio é o democracia na tomada das decisões. Somos instituições públicas, e qualquer proposta de ensino remoto deve alcançar 100% dos estudantes matriculados. Os colégios possuem públicos diversos que envolvem pessoas que têm acesso às tecnologias de informação e comunicação, e pessoas que não só não tem acesso a esses recursos, como estão enfrentando cotidianamente o agravamento das desigualdades sociais de nosso país. Assim, todas as decisões e ações pedagógicas se fundamentam na inclusão de todos os alunos, de diferentes maneiras e a partir de diferentes canais (internet, material impresso, orientações e roteiros de estudo, etc.), com diferentes modos de aprender e ensinar, considerando adaptações aos alunos com deficiência – em atenção a todas as especificidades.
O terceiro é o princípio da autonomia relativa de cada Colégio de Aplicação. Enquanto CONDICAP, temos uma caracterização semelhante em muitos aspectos, considerando as potencialidades e desafios. Cada Colégio está vinculado a uma Instituição Federal de Ensino Superior, à qual é resguardada uma autonomia universitária, cujas decisões estendem-se aos seus respectivos Colégios de Aplicação. Além desse aspecto, é importante mencionar a necessidade de submissão às determinações legais relativas a cada etapa de ensino. Por mais que não concordemos com muitas das definições que vêm sendo estabelecidas pelos governos, temos uma responsabilidade com o cumprimento das leis e normas que regem a educação.
O quarto princípio é o da regionalidade. O Brasil é um país de extensão continental. Temos Colégios de Aplicação representando todas as regiões de nosso país, cada qual com um contexto social específico e determinações locais em relação ao enfrentamento da COVID-19. Sendo assim, apesar da suspensão das aulas presenciais ter ocorrido em períodos semelhantes, muito provavelmente o retorno presencial ocorrerá de forma diferente em cada contexto, a depender de características de cada região.
O quinto princípio é o do respeito às especificidades de cada segmento. Os Colégios de Aplicação do CONDICAP englobam diferentes níveis da Educação Básica: Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Anos Finais do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos, além de cursos de modalidade técnica e de pós graduação. Cada segmento possui características próprias, relacionadas à faixa etária dos estudantes e aos processos pedagógicos de cada etapa. Dessa forma, é preciso assegurar que as propostas pedagógicas resguardem as especificidades dos diferentes segmentos e modalidades, como já é feito no ensino presencial.
Tendo esses princípios como fundamento, apontamos algumas questões a serem observadas na implementação de atividades pedagógicas não presenciais. Para isso, é necessário que:
- Ninguém fique para trás: Todos/as, sem exceção, devem ter acesso às atividades escolares, tanto virtuais quanto impressas.
- Os princípios pedagógicos gerais que orientarão as ações remotas devem ser decididos coletivamente por cada Colégio, de modo que não haja discrepâncias significativas entre as práticas didático-pedagógicas dos docentes.
- A interação deve ser viabilizada para todos/as os/as estudantes (crianças/adolescentes/adultos) e ocorrer de forma institucionalizada.
- A interdisciplinaridade deve ser um princípio privilegiado nas práticas didático- pedagógicas dos docentes.
- Os estudantes devem ser estimulados a observarem rotinas de estudo, que podem e devem ser pensadas em conjunto com os professores.
- As dinâmicas didático-pedagógicas desenvolvidas remotamente devem garantir o acesso a conhecimentos, competências e habilidades às crianças e adolescentes de maneira isonômica.
- Criar canais e estratégias que viabilizem o diálogo e suporte às necessidades das famílias (telefone, whatsapp, e-mail, salas virtuais…) em auxílio aos estudantes neste momento de distanciamento social.
Para que se cumpram esses requisitos, tanto técnica quanto pedagogicamente, é necessário:
- Conhecer as condições de acesso à internet e uso das tecnologias pelos estudantes, de modo que as necessidades identificadas sejam superadas, assegurando o acesso e acompanhamento de todos/as.
- Estar atento e sensível às necessidades dos estudantes, de forma que as necessidades identificadas possam ser acolhidas consoante à preservação do estudante quanto à sua condição de vulnerabilidade, tanto econômica quanto emocional.
- Uso de abordagens assíncronas o máximo possível: É importante considerar abordagens assíncronas que não exigem que todos os estudantes estejam conectados ao mesmo tempo. Muitos estudantes podem não ter horários disponíveis, em função de dificuldades familiares, de acesso a equipamentos adequados, podem não conseguir acessar livremente a internet em uma sala ou casa silenciosa, ou mesmo podem ter responsabilidades de cuidar de outrem, dentre outros motivos.
- Adoção de pedagogias que usem baixo volume de transmissão de dados: É importante evitar o uso excessivo de tecnologia. Alguns estudantes têm planos de dados limitados. Outros podem não ter acesso a um laptop e pode estar acompanhando a aula usando apenas o celular.
- Oferecer flexibilidade e opções: Deve-se ser o mais flexível possível para permitir maneiras diferentes pelas quais os estudantes podem acessar e se envolver com o curso. Além disso, deve-se adotar mecanismos de avaliação flexíveis para garantir a avaliação da aprendizagem dos estudantes, não o acesso ou a falta dos recursos tecnológicos. Deve-se considerar prazos flexíveis e a oferta de tarefas alternativas para os alunos escolherem (por exemplo, para grupos de trabalho, pode-se permitir que os alunos optem entre uma discussão no estilo de sala de bate-papo on-line ou colaborar em um arquivo .doc). Deve-se permitir aos estudantes algum controle e autonomia sobre seu aprendizado, o que pode ajudar a combater sentimentos de desamparo e isolamento que pode surgir com o aprendizado on-line.
- Acessibilidade dos materiais: Avaliar os materiais a partir da possibilidade de acessibilidade – quem pode acessá-los e quem não pode – e tentar aumentar a acessibilidade dos materiais, tanto quanto for possível. Para a gravação de vídeos, por exemplo, usar softwares ou plataformas que podem transcrevê-las usando a tecnologia de fala para texto. As legendas são úteis não apenas para aqueles que têm dificuldades auditivas, mas também para aqueles que precisam assistir aos vídeos em ambientes ruidosos.
- Aprendizagem on-line: Deve-se fazer tarefas com pouco ou nenhum risco se estiver usando uma nova ferramenta ou plataforma online. Concentre-se primeiro em permitir os estudantes se acostumarem a usar diferentes funções da plataforma (por exemplo, contribuir com uma função de bate-papo, postando em tópicos de discussão, compartilhando suas reações através de botões). Assim que os alunos se sentirem mais à vontade, pode-se considerar o ajuste para atribuições mais complexas.
- Oferecer um guia transparente para a aprendizagem dos estudantes: É importante continuar mantendo contato com os estudantes e manter-se o mais transparente possível. Explicar por que se está priorizando determinado material ou pedir aos alunos que leiam ou façam certas coisas.
Walter Silva Junior
Presidente do CONDICAP
ANEXO: